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Jaqueline M. Souza

Como engajar o leitor nas primeiras páginas? A Imagem Inicial


Sempre se fala sobre como o roteiro deve fisgar o leitor logo nas primeiras páginas. E se a primeira impressão é a que fica, quem faz as honras com o leitor no roteiro é a imagem inicial, o primeiro elemento do roteiro que tem o poder de realmente cativar e engajar um leitor. A Imagem Inicial utiliza um forte apelo visual e cria conexões na mente do leitor, despertando seu interesse em adentrar a história. É como se a Imagem Inicial fosse uma promessa, uma provocação de uma grande história que virá a seguir.

“ (A Imagem Inicial é) A primeira impressão do que o filme será- seu tom, seu clima, seu tipo, seu âmbito- todos são encontrados na imagem inicial. [...] Então a imagem inicial faz muito. Ele estabelece o tom, o clima, o estilo do filme, e frequentemente introduz o personagem principal e nos mostra uma polaroid “do antes” dele ou dela. Mas acima de tudo faz com que nos agarremos em nossos assentos no cinema e digamos: “ Isso vai ser bom!” E já que você já viu uma dúzia de filmes como o que você está prestes a escrever, você pode pensar em pelo menos seis que tenham imagens inciais que se destaquem. Todos os bons filmes tem.”

Blake Snyder em Save the Cat

Apesar do termo ter ficado mais amplamente conhecido após sua inclusão como um beat, ou melhor, o primeiro beat do paradigma de Blake Snyder, no famoso livro Save the Cat, o conceito é antigo no cinema. Vários filmes clássicos tem Imagens Inicias tão famosas quanto os próprios filmes, como Cidadão Kane, Crepúsculo dos Deuses ou Forrest Gump. Algumas vezes, podemos encontrar referenciais a Imagens Iniciais também como Hook ( que chamaremos aqui de Isca para não confundir com o termo gancho já utilizado em português como equivalente ao Cliffhanger), ou ainda como Teaser.

“A Isca é o conjunto das primeiras páginas de um um roteiro como uma introdução emocionante para a história que inquieta a imaginação e a atenção do público tão fortemente que eles são incapazes de largar o roteiro. Isso faz com que a primeira cena do roteiro seja criticamente importante; ela precisa introduzir rapidamente o mundo do filme, o personagens interessantes que a povoam e colocam esses personagens em uma situação inesquecível. Quando combinados, todos esses elementos de uma cena de abertura de um roteiro, a Isca ,são destinadas a provocar a mente do leitor com força o suficiente para garantir que eles continuem a ler um roteiro todo até a último página.” -- Encyclopedia of Screenwriting, The Script Lab

Querendo ou não todo filme tem uma imagem inicial, isso porque todo roteiro terá uma cena de abertura, mas nem sempre essa cena é construída baseada no conceito de Imagem Inicial. Mas apesar do termo, a Imagem Inicial não precisa ser literalmente uma imagem ou um plano apenas. O roteirista pode articular sua construção como achar mais dramático, podendo utilizá-la como uma cena inteira, ou até mesmo uma sequência inicial que passe as primeiras impressões e concentre a essência da história. Ela também pode ser pensada completamente isolada da narrativa, funcionando como um prólogo para a história. O importante é que a imagem inicial levante perguntas na cabeça do leitor, crie um impacto forte que tenha o potencial de fisgar o leitor e o mantenha interessado em continuar a leitura.

“Sua cena de abertura deve envolver o interesse do leitor e fazê-lo esquecer que ele está lendo um roteiro. Você não pode ficar na sala com o leitor para dizer a ele: "Não se preocupe com as primeiras páginas; continue lendo. Fica melhor depois”. Se o leitor não está intrigado logo de cara, ele imediatamente julga seu roteiro como outro parecer chato que ele tem que escrever, em vez da excitante experiência emocional que deveria ter sido prometida. Uma grande isca de abertura diz ao leitor que ele está lidando com um escritor profissional.”

– Karl Iglesias em Writing for Emotional Impact

As melhores e mais marcantes Imagens Iniciais costumam juntar várias funções em um único momento. Elas simultaneamente podem apresentar o protagonista e revelar ambientações ou expor o estado psicológico de um personagem e introduzir um perigo, entre outras combinações. Mas nós separamos algumas das introduções possíveis de uma Imagem Inicial para fisgar o leitor. Misture, brinque e articule possibilidades apresentando:

PERSONAGEM

Uma apresentação forte e simbólica de seu personagem pode render uma Imagem Inicial cativante. É necessário de alguma forma revelar seus desejos, medos, fraquezas, de uma forma sutil e relacionável. Quando bem feita, o leitor sai da cena com a sensação de que já conhece o personagem, apesar de curioso para entendê-lo mais. Também é uma forma excelente de exercitar o uso do poder visual da abertura. No exemplo do vídeo, Pequena Miss Sunshine. Os olhos grudados em um concurso de miss e a silhueta rechonchuda que reproduz os movimentos da vencedora, nos revelam de imediato o desejo de Olive, mas também estabelecem um conflito: como uma criança acima do peso poderá se relacionar com concursos que exaltam a beleza dentro de um padrão?

TEMA O poder visual da Imagem Inicial é grande, mas o que também não quer dizer que ela possa ser trabalhada e construída em cima de um diálogo potente. A Rede Social faz justamente isso. A imagem Inicial de A Rede Social é uma cena com Mark e Erica conversando em um bar, mas o tema central da história e a ânsia do personagem é verbalizada no diálogo ainda na primeira página do roteiro.

A cena inteira é um pouco longa para os padrões americanos, mas boa parte dos temas centrais já são apresentados aqui através de diálogos rápidos, como o perfil anti social e egocêntrico de Mark. Mas acima de tudo temos a apresentação do tema: como se distinguir em meio a gênios? Erica prevê que ele vai conseguir se destacar, mas com um custo. E a cena termina com uma pergunta dramática que só será respondida ao final do filme. Seria Mark um cara escroto?

AMBIENTAÇÃO

Introduz o leitor ao universo da história que pode ser um espaço geográfico, uma época, um ambiente, uma realidade, um grupo de amigos, uma família, etc... Qualquer universo único de sua história, que seja inusitado e mostre uma abordagem original ou fora do comum. Quanto mais inusitada for sua ambientação, mais força ela tem para funcionar como uma Imagem Inicial. Kubrick frequentemente trabalhava com imagens iniciais de ambientação, fosse uma paisagem montanhosa e solitária no começo de O Iluminado, fosse a terra vista do espaço em 2001, uma Odisséia no Espaço ou ainda Alex e seu grupo de "amigos" no Moloko Vellocet. Outro exemplo poderoso: o discurso “Eu acredito na America” e toda a cena inicial de O Poderoso Chefão. A cena estabelece um ambiente criminoso que se mantem através da troca de favores, as relações com o catolicismo e a cultura italiana e como o Padrinho detém poder sobre uma comunidade imigrante muitas vezes marginalizada.

TOM e ESTILO

O tom pode ser cômico, melodramático, misterioso, ou o que você preferir, mas o importante é que logo nas primeiras páginas, o leitor consiga entender não apenas o gênero em que o filme se enquadra mas o tom com que a trama será abordada. Descompensada começa com uma cena da infância da protagonista, onde o pai conta a ela e a sua irmã sobre o divórcio, mas tenta explicar seu problema com a monogamia através de uma metáfora com bonecas. Essa história pregressa é o que explica a relação da personagem com relacionamentos em sua vida adulta, mas acima de tudo, ele está lá para estabelecer o tom cômico e ácido com que Amy Schumer escreveu seu roteiro.

Mesmo questões estilísticas já podem ser pensadas na imagem inicial e apresentadas ao público com forte impacto visual. Exemplos, a cena de abertura de Matrix com Trinity ou a Imagem Inicial de Amnésia, onde vemos em reverso a foto de uma polaroid até que ela perca sua imagem. Essa Imagem Inicial não apenas concentra o tema e o conflito do personagem, sua perda de memória, mas também já introduz toda a estrutura do filme de trás para frente, fazendo com que fiquemos fascinados e intrigados.

BACKSTORY

O exemplo do Descompensada também pode estar aqui, já que também se trata da apresentação de uma história pregressa do personagem, mas nenhum filme contemporâneo usa melhor esse artificio, do que Up- Altas Aventuras. A história inteira de Carl e Ellie é comovente, e fundamental para entendermos o apego desse personagem a sua casa. É essa imagem inicial que faz com que também conheçamos nosso futuro vilão e a dinâmica de admiração que o personagem na infância tem por ele. Quer dizer, o backstory é fundamental para criarmos empatia com o personagem, que nas primeiras cenas nos tempos atuais pode passar apenas por um senhor ranzinza, o que não é muito relacionável.

Outro filme que faz uso de Imagem Inicial com backstory é O Pescador de Ilusões. A cena introduz quem ele era, para que quando realmente adentremos a história possamos entender quem ele se tornou ( e porque). A cena poderia ser facilmente omitida, já que a situação é citada no filme e sua principal função é ajudar a estabelecer o estado psicológico do protagonista, mas sem essa sequência o filme perderia boa parte de sua força. É a sequência inicial que faz com que nos conectemos emocionalmente com o personagem quando o reencontramos após o trauma da situação.

Após, a apresentação do personagem, um radialista egocêntrico, rude e desrespeitoso, típico Yuppie, a estação de rádio é invadida por um homem armado, seguindo o conselho dado pelo radialista em uma chamada.

IN MEDIA RES Talvez a forma mais comum de estrutura In Média Res do cinema contemporâneo, seja a Imagem Inicial que começa o filme por um ponto dramático como o Ponto sem Retorno ou ainda o Tudo está perdido . O Ponto sem Retorno é interessante pois introduz o personagem adentrando em uma situação que sabemos que ele terá dificuldades para sair. Depois, a história retrocede no tempo e conta a história do começo, o como se chegou até a situação que começamos a ver. A escolha costuma priorizar o impacto dramático, porque muitas vezes uma jornada linear pode demorar a engrenar. Separamos, um trecho dos extras de Os Bons Companheiros para vermos o que Martin Scorcese e o roteirista Nicholas Pileggi falam sobre a escolha que fizeram para o filme.

Outra famosa opção de escolha de Imagem Inicial In Media Res é se iniciar o filme pelo beat All is Lost, um momento dramático próximo ao Clímax. É quando o protagonista parece já não ter qualquer opção e tudo parece perdido. Isso cria duas perguntas na cabeça do público: 1) como as coisas chegaram até esse ponto? 2) Como ele/ela vai se livrar dessa?- pelo menos essa é a intenção, mas só realmente funciona quando o público tem informações suficientes para entender já inicialmente o que está em jogo, por isso a dificuldade em escrever uma cena que funcione bem tanto como Imagem Inicial, quanto All is Lost, quando o momento chegar e a cena for repetida. É esse o momento que temos na Imagem Inicial do piloto de Breaking Bad, mas também na abertura de Se beber, Não Case.

SIMBÓLICO

Uma opção muito mais pautada pelo visual e que busca encapsular um sentimento ou sensação. Miller's Crossing dos Irmãos Cohen começa com a imagem de um chapéu que voa de um lado para o outro de um bosque. Mas também poderíamos citar a solidão de um homem caminhando sozinho em pleno deserto ou um acidente sem explicação que culmina com a aparição de um piano. As imagens Iniciais simbólicas tem um forte impacto no público, mas é necessário escrevê-las com atenção para que já tragam essa potencia nas palavras do roteiro e assim fisguem também na leitura.

O HERÓI EM AÇÃO

“Você apresenta seu protagonista no meio do conflito. Não só esta é a abertura mais comum, mas também a mais eficaz, porque atrai a atenção em duas frentes: vínculo com o personagem e dramaticidade.” - Karl Iglesias , Writing for Emotional Impact

Muito utilizado em filmes de ação, onde adentramos a história já com o personagem em uma situação que exige um andamento, talvez um caso anterior que ele esteja finalizando ou uma etapa inicial do caso que iremos assistir. Pode ser utilizado sob o ponto de vista do vilão, mostrando-o em ação e estipulando sua periculosidade.

Ótimo exemplo de Herói em Ação é a cena de abertura de Um Corpo que Cai, que cumpre duas funções, iniciar a trama em um ponto já com bastante ação e mostrar o incidente que irá causar a acrofobia do personagem.

PRENÚNCIO Nós já falamos sobre prenúncio em algumas de suas formas mais físicas, mas o prenúncio também pode ser utilizado para estabelecer o perigo que seu protagonista irá enfrentar em sua história. É uma forma interessante de iniciar o roteiro já diretamente com ação, sem precisar colocar seu protagonista em cena, já que esse tipo de Imagem Inicial quase nunca envolve o protagonista ou um dos personagens principais da história. Spielberg costuma usar bastante essa forma, seja no ataque inicial da mulher na praia em Tubarão ou o acidente durante o transporte do Velociraptor, cena inicial de Jurrasic Park. Mas selecionamos, um outro clássico pós-moderno que faz uso brilhante de imagem inicial com um vilão em ação associado a um prenúncio, Pânico.

E para finalizar, um vídeo do canal Now You See It falando só sobre Planos Iniciais. Aqui sim é só sobre a primeira imagem, mas vale a pena para compreender como também podemos utilizar um único plano para apresentar uma versão em miniatura da história e da sua essência:

Em um próximo texto, falaremos sobre o espelho da Imagem Inicial: A Imagem Final. E aí, gostou da lista? Que outras formas de Imagens Iniciais você sugeriria e quais as suas favoritas?

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