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Beat Sheet de Blake Snyder ou BS2

Por Jaqueline M. Souza

Nós já falamos aqui da Jornada do Herói, estrutura narrativa mitológica, mais usada que pronome oblíquo em conversa de professor.  Também já falamos sobre A Promessa da Virgem, uma estrutura vinda dos contos de fadas e muito utilizada no cinema, apesar de pouco difundida. Aqui, falaremos de outra estrutura paradigmática dos roteiros, muito utilizada no cinema hollywoodiano e por isso, mesmo um tanto quanto polêmica, a Beat Sheet de Blake Snyder, também conhecida como Beat by Beat ou BS2. 


 

O que é a Beat Sheet de Blake Snyder

Blake Snyder foi um roteirista bem-sucedido, tendo vendido dois roteiros de especulação para a Disney nos anos 90, Cheque em Branco e Pare Senão Mamãe Atira. Blake usou seus conhecimentos  e estudos de estrutura de roteiro para  desenvolver seu método de escrita, que ele logo transformou no livro Save the Cat – The last book on screenwriting you'll ever need. O título é muito exagerado - e sim você precisará de outros livros de roteiro- mas é um termo cunhado por Snyder e descreve a cena em que o público encontra o herói pela primeira vez e para gerar empatia, ele faz algo bom, como salvar um gato. A inspiração vem do filme Alien, quando Ripley salvo o gato.  Não se pode negar o sucesso imenso da publicação, usado como livro de cabeceira de muitos roteiristas e escritores.

 

O livro é muito interessante e traz propostas de exercícios, assim como reflexões curiosas a respeito da escrita de roteiros e gêneros. O que diferencia o livro de outros importantes títulos sobre roteiro lançados até então, é a linguagem simples e a definição, sem medo de cair no formulaico, de uma estrutura narrativa com beats muito bem definidos. Se Sid Field, Robert Mckee e Linda Seeger até aqui falavam em uma estrutura de um modo mais abrangente e quase sempre baseados na estrutura de três atos e seus pontos de virada, Snyder caminha beat-a-beat explicando uma estrutura facilmente identificada em filmes hollywoodianos. Hoje, a estrutura Beat-by-Beat de Blake Snider é a mais utilizada no cinema americano, inclusive sendo mais utilizada do que a popular Jornada do Herói. Ao contrário do que possa-se imaginar, a maior parte dos filmes de super-heróis contemporâneos é escrita muito mais na estrutura de Blake Snider do que na Jornada do Herói, vide filmes como Homem de Ferro, Capitão América, Cavaleiro das Trevas ou Man of Steel.

 

Apesar da popularidade no cinema blockbuster, a estrutura  pode ser usada de forma mais afrouxada, visando impactos dramáticos mais sutis, por isso mesmo a estrutura também é muito utilizada no cinema independente, mesmo com ares de trama minimalista. 

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Filmes de super-heróis, dramas intimistas,  filmes independentes ou comédias, a Beat Sheet de Blake Snyder está em todos os lugares. 

O que são os Beats

Primeiramente, vamos falar sobre o que são beats. Beat, é um termo inglês, para o que chamamos na literatura de narrema, ou seja, a unidade mínima da estrutura  narrativa.  O termo foi popularizada por Robert Mckee em seu livro Story e lá é descrito como " Dentro da cena, o menor elemento da estrutura é o Beat. [...] Um Beat é uma mudança de comportamento que ocorre por ação e reação. Beat a Beat, esse comportamento em transformação molda o ponto de virada da cena". 

Para Blake Snyder, o entendimento é o mesmo, sua estrutura não se baseia em cenas ou etapas, mas em beats que  teriam a capacidade de facilitar a escrita para os roteiristas e costurar uma história de sucesso. A sua Beat Sheet nada mais é do que um outline  feita com o propósito específico de detalhar, de forma fácil, os plot points de uma história.

"Oh! Três atos! Imagine isso? E ainda assim, não parecia suficiente. Como uma nadador em um vasto oceano, havia muito mar aberto entre essas duas quebras de atos.E muito espaços vazios de roteiro no qual se perder, entrar em pânico e se afogar. Eu precisava de mais ilhas, de nadadas mais curtas"

- Blake Snyder, Save the Cat – The last book on screenwriting you'll ever Need

Quais são os Beats para Blake Snyder

Uma das maiores resistências com a estrutura proposta por Blake Snyder é que além do número alto de beats propostos (são 15) , Snyder ainda delimita exatamente onde, em páginas, esses beats devem estar. A lista abaixo, mostra os beats da estrutura e o número ao lado indica a sua localização em m roteiro de 110 páginas.  

1. Opening Image (1)

2. Theme Stated (5)

3. Set-Up (1-10)

4. Catalyst (12)

5. Debate (12-25)

6. Break into Two (25)

7. B Story (30)

8. Fun and Games (30-55)

9. Midpoint (55)

10. Bad Guys Close In (55-75)

11. All Is Lost (75)

12. Dark Night of the Soul (75-85)

13. Break into Three (85)

14. Finale (85-110)

15. Final Image (110)

Imagem de Abertura (Opening Image)

A primeira imagem vista, aquela que define o clima, tom e estilo da história. Uma polaroid do problema do personagem principal, antes que a história comece. Esse beat tem uma espelho, o ultimo beat, a Imagem Final, que em geral é o exato oposto da Imagem Inicial. A ideal é que assim eles funcionem como epilogo e prologo da história, evidenciando imageticamente a transformação ocorrida ao longo da trajetória.

A estrutura Beat-a-Beat

A primeira coisa que se observa ao se estudar múltiplas estruturas narrativas é que não importa quão distintas elas sejam, sempre existe muito de similar entre elas. Por isso, muitas vezes, autores distintos analisam o mesmo filme com estruturas diferentes. E por isso também, muitas vezes, uma mesma obra pode se enquadrar em estruturas distintas.  O que um autor chama de Incidente Incitante, outro nomeia de Chamado à Aventura, outro de Catalisador; então apesar de nomenclaturas distintas, o importante é que esses pontos têm a mesma função narrativa. 

 

A diferença entre a formação, o repertório e o método de trabalho de cada autor, acaba trazendo entendimentos distintos que criam a características únicas para cada estrutura. Observa-se então, que quase nunca é um autor quem cria uma estrutura, ele é como um cientista, estuda, analisa e  identifica um padrão narrativo, nomeando-o e popularizando-o. Apesar de a Beat Sheet levar o nome de Blake Snyder, podemos encontrar filmes que seguem exatamente a mesma estrutura antes mesmo da publicação do livro de Snyder.

Analisemos, os beats, um a um, para entendermos melhor suas aplicações em diferentes obras. 

Tema Declarado (Theme Stated )

Acontece dentro do Set up/ Apresentação.  É um momento onde alguém, em geral não o próprio personagem, levantará uma pergunta ou fará uma afirmação que define a premissa temática. O protagonista pode até ouvir a questão ou a afirmação, mas não a compreende, pois ainda não passou pela transformação que o fará compreender. O tema dá o sentido mais profundo sobre o que é a história.
 

Apresentação (Set Up)

A introdução do mundo e do personagem, em geral, ocupa as primeiras 10 a 12 páginas do roteiro, um equivalente ao Mundo Comum na Jornada do Herói. Apresenta a situação inicial, as falhas do protagonista e planta informações que serão trabalhadas ao longo do roteiro. Para Blake Snyder, a estrutura de três atos é uma variação da dialética hegeliana, sendo o Primeiro Ato equivalente a Tese.

Catalisador (Catalyst)

Se no Setup, o roteirista constrói um mundo, é como Catalisador que este mundo vem abaixo. O catalisador é um gatilho que inicia a trama. O  mundo de antes não é mais o mesmo, a mudança está em andamento.  Equivalente ao Incidente Incitante para Mckee ou Syd Field.

Debate (Debate)

O momento entre o catalisador e o fim do primeiro ato. O intervalo necessário para que o protagonista reflita, duvide, pondere e debata sobre a mudança e decida efetivamente agir.

Quebra para o Segundo (Break Into Two)

A quebra de ato é o momento onde nós deixamos o velho mundo, a tese para trás e entramos em mundo invertido, sua antitese. Mas como os dois mundos são tão distintos, o ato de efetivamente entrar no Segundo Ato deve ser definido.

Trama B (Story B)

Começa trama secundária, que será executada paralelamente à "Trama A". Se entrelaçará com a trama principal  ao longo do resto do filme. É um respiro da trama principal, e pode trazer novos personagens e conflitos. O tema e a jornada interior do personagem tendem a ser explorados aqui. Geralmente é aqui que os relacionamentos entre personagens são desenvolvidos, assim, a Trama B frequentemente é chamada de “love story”, mas não são exclusivamente relacionamentos amorosos, pode ser entre  pai/mãe e filh@, entre irmãos, entre mentor e aprendiz.  Ajuda a não deixar tão visivelmente demarcada a passagem para o segundo ato.

Diversão e Jogos (Fun and Games)

A promessa da premissa, o coração do filme. Isto é, quando o personagem principal explora o novo mundo e o público é entretido pela premissa que lhes foi prometida. É um momento de diversão, onde a premissa se materializa, mas ainda sem grande riscos, já que até a chegada do Midpoint, as apostas não são tão altas.  

Midpoint (Midpoint)

O ponto que divide as duas metades do roteiro, bem no meio do segundo ato. Os Jogos e Diversão acabaram. Aqui os problemas de verdade eclodem, tornando-se mais focalizados, mais sérios, mais importantes e urgentes. O pico dramático até então do personagem e da trama. Dependendo da história, este momento é quando tudo é "ótimo", apesar de em geral, apresentar uma falsa vitória ao protagonista, ou tudo é "horrível" com o mundo ruindo ao seu redor. O personagem principal ou recebe tudo o que ele pensa que quer ou perde tudo o que pensa que quer. É o momento em que a trama muda totalmente de direção.

Os Caras Maus se Aproximam (Bad Guys Close In)

Tudo parece bem, o inimigo- seja uma gangue, uns caras maus, um vilão, um fenômeno natural, uma coisa- parece derrotado e o protagonista e sua equipe estão em harmonia. Neste ponto, os Caras Maus resolvem se reagrupar e atacar com mais força. Também é o ponto em que divergências, dúvidas e inveja começam a desintegrar o time do herói. As forças que se alinham contra o herói, interna ou externamente, fecham o cerco.  O mal não irá desistir e o herói não tem como fugir.

Tudo está perdido (All Is Lost)

O momento oposto do MidPoint  "horrível" / "ótimo". O momento em que o personagem principal percebe que perdeu tudo o que ganhou, ou tudo o que eles têm agora não tem sentido. O objetivo inicial agora parece ainda mais impossível. Em geral, envolve o que Snyder chama de “Bafo da Morte”, que é a morte, quebra, perda de alguém ou alguma coisa muito importante para o protagonista. Pode ser físico ou emocional, mas a morte de algo velho, o sentir dessa “baforada da Morte”  é o que ajudará no processo de renascimento do protagonista.

Noite Escura da Alma (Dark Night of the Soul )

O personagem principal chega ao fundo do poço. É o momento “ Por que me desamparaste, Senhor?”. Um lamentando pela morte  - do seu sonho, da sua meta, de um personagem, do seu mentor, do amor de sua vida, etc. Pode ser um momento rápido, de 5 segundos ou 5 minutos, mas é primordial para que o herói se reerga e encontre sua força interior para superar seu problema.

Quebra para o Terceiro  (Break into Three)

O protagonista tem uma nova ideia, inspiração ou estratégia para resolver tanto a Trama A, quanto a B. As tramas nesse ponto podem se encontrar e comumente essa inspiração para o novo plano vem da trama B. Agora é colocar o novo plano em ação.

Final  (Finale)

O terceiro Ato. As lições aprendidas são colocadas em prática, o protagonista incorpora o Tema, que  agora faz sentido para ele. Com tudo isso em ação, não só o herói triunfa, como muda a ordem do mundo, deixando o mundo antigo para trás e erguendo um novo mundo.

Imagem Final ( Final Image) 

O oposta da imagem inicial. A prova visual da mudança do protagonista e do seu mundo.

Utilizá-lo ou Não, eis a questão?

Nós já falamos em outros textos aqui da Tertúlia, que cabe a cada profissional definir a eficiência da utilização de paradigmas ou não na sua escrita. Aqui, citamos alguns filmes que se enquadram na estrutura, mas a lista é infinita e variadíssima. Filmes bons, filmes ruins, filmes de sucesso, outros que foram um fracasso na bilheteria. A estrutura proposta por Snyder é rica, e não precisa ser utilizada ao pé da letra, basta utilizá-la com inteligência para tirá-la da obviedade. Em Her, elementos tecnológicos são adicionados à estrutura dramática, fazendo do filme um híbrido entre o gênero Drama e Sci-Fi. Em Dark Knight,  a estrutura é mais complexa, por utilizar uma Trama B que percorre todo o filme e que encerra o terceiro ato ao materializar o tema. 

Então, agora você tem mais uma ferramenta para estudar seus roteiros favoritos, escrever seus argumentos ou simplesmente para quebrar as regras. Para conhecer mais o BS2 vale a pena ler o livro Save the Cat, infelizmente ainda sem tradução e edição nacional. 

Se você tem dúvidas se deve ou não utilizar um paradigma na escrita do seu roteiro, recomendamos a leitura do artigo O Paradigma do Roteirista: Usar ou Não Paradigmas de Roteiro?

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