Conversamos com o idealizador e roteirista da série 3%, Pedro Aguilera, para saber mais sobre os conceitos e processos de escrita da série.
A estréia de 3 %, no dia 25, foi um turning point na trajetória da série, mas também da própria produção brasileira voltada para as telas. Idealizada em 2009, a obra teve a produção de um piloto aprovado pelo edital FICTV/MAIS CULTURA, uma das primeiras iniciativas de estimulo e financiamento público de obras seriadas, um verdadeiro marco para a teledramaturgia da tevê pública brasileira. De lá para cá, a iniciativa modesta de financiamento se tornou uma política pública, que apesar de ainda precisar ser melhorada, resultou em crescimento de mais 600% na produção e na veiculação de séries brasileiras na televisão, segundo dados da própria Ancine. Por isso, ao alcançar algo inédito para a produção brasileira, sendo a primeira produção original 100% brasileira da Netflix e estreia global, em 190 países, 3% define-se como um case de sucesso e também uma irônica alegoria sobre a produção brasileira.
Conversamos com o idealizador e roteirista da série 3%, Pedro Aguilera, para saber mais sobre a evolução do projeto, as mudanças ao longo dos anos, os conceitos da série e a tensão de uma estreia global.
TN: Parabéns pela série! Estamos mega ansiosos com a estréia, não só por sermos fãs do piloto desde o lançamento pelo FicTv, quanto por ser a primeira série 100% brasileira do Netflix, mas também a primeira série brasileira com lançamento global. Qual a sensação de ter o roteiro mais aguardado do ano?
Pedro Aguilera: Ah, falando assim a sensação só pode ser de tensão! Hehe... Estamos muito felizes e empolgados.
TN: Fale sobre o começo da sua carreira. Você decidiu ser um roteirista ou isso de alguma forma “só aconteceu” ? Como você começou a escrever?
Pedro Aguilera: Na faculdade eu já entrei interessado em roteiro e animação. Comecei a escrever nos exercícios de roteiro, mas também comecei a escrever um monte de curtas. Mais de 15. Alguns eu fiz várias versões, outros deixei parados na primeira. Mas a vantagem de ser roteirista é essa: poder praticar sem a necessidade de envolver mais gente, sem ter que levantar dinheiro e etc. Basta sentar e fazer.
TN: Quanto o fato de se ter criado uma comunidade online engajada ao redor do piloto ajudou a viabilizar a série?
Pedro Aguilera: 100%. Tudo só aconteceu porque o piloto foi muito visto e acabou chegando no Erik Barmack, VP da Netflix, que se interessou e entrou em contato.
TN: Quanto você esteve envolvido na processo de contato e negociação com a Netflix? E depois que a Netflix confirmou a série, quais foram os próximos passos para você, como criador?
Pedro Aguilera: Eu e os outros diretores do piloto fomos contatados inicialmente, mas a negociação foi feita principalmente com o produtor, Tiago Mello, da Boutique Filmes. Os próximos passos para mim foram montar a sala de roteiro e trabalhar muito escrevendo, além de colaborar com os diretores, atores, produção e etc.
TN: Quantas pessoas estiveram envolvidas no processo de escrita da série? Por que a escolha?
Pedro Aguilera: Foram 5 roteiristas.
TN: Quanto tempo durou o processo de escrita da temporada? Houve algum envolvimento da Netflix com o processo de escrita e criação?
Pedro Aguilera: Escrevemos por 1 ano, mas com pausas no meio. O pessoal no Netflix estava muito interessado, lia todas as versões de roteiro e contribuiu muito.
TN: Você já tinha a história dessa temporada criada ao longo dos anos? O quanto a história mudou ao longo desse tempo? As mudanças que aconteceram no Brasil, mudaram a história de alguma forma?
Pedro Aguilera: Nós tínhamos uma bíblia que ia mudando a cada ano e acabou mudando um pouco também quando sentamos para escrever de fato. Mas têm ideias de grandes viradas que são as mesmas desde 2009. As mudanças no Brasil não mudaram a história diretamente, mas certamente influenciam indiretamente - é muito tempo e nossas cabeças vão mudando também.
TN: O piloto trabalhava mais com uma ideia de alegoria sobre o vestibular e a inserção/exclusão dentro desse cenário. Pelos teasers atuais parece que a alegoria continua, mas o discurso está mais focado no questionamento da meritocracia. Conceitualmente, isso foi uma mudança ou um aprofundamento do piloto? Por que?
Pedro Aguilera: Achamos que é um aprofundamento. A série sempre foi sobre os diversos processos de seleção. E a ideia de que há um jeito ideal de selecionar e classificar pessoas é uma suposição necessária para se acreditar numa meritocracia justa. Então as coisas se encaixavam muito bem - se você acredita no Processo, no que você acredita ideologicamente?
TN: A possibilidade de binge-watching muda a escrita ou a forma de se pensar os episódios e os arcos?
Pedro Aguilera: Um pouco. Várias vezes na sala de roteiro a gente se perguntava: "Depois desse final, com o reloginho baixando dos 20 segundos, as pessoas vão querer ver o próximo?"
Uma questão menor, mas que é uma benção: não tivemos que nos preocupar com ganchos de intervalo ou ficar retomando muitos elementos dos episódios passados, porque ainda não passou tanto tempo que o espectador assistiu ao episódio anterior.
TN: Não existe muita referência nacional em ficção científica, distopias ou ficções especulativas no audiovisual brasileiro. Por outro lado, a série terá lançamento mundial. Como equilibrar o diálogo com o público brasileiro, mas ao mesmo tempo ser global?
Pedro Aguilera: Acho que o equilíbrio não foi difícil. A série é uma distopia que já te joga para outro tempo, e os temas são universais. Já nos particulares, queríamos que a série tivesse uma cara e características bem brasileiras. É o clichê do "Fale sobre sua aldeia e falará para o mundo."
TN: O que você, como roteirista, sabe hoje, mas não sabia há 7 anos, quando começou o projeto de 3% e gostaria de saber?
Pedro Aguilera: É curioso, porque é tudo e nada ao mesmo tempo. Não é nenhum conceito novo, mas é uma força e domínio mais intuitivo dos conceitos mais básicos. O que é um conflito forte, o que nos faz se identificar com um personagem... É só um aprofundamento do básico que todo mundo sabe.
TN: Você poderia falar um pouco sobre o seu trabalho junto aos diretores? Como foi o processo?
Pedro Aguilera: O processo com os diretores foi ótimo. Eles contribuíram muito com sugestões enquanto escrevíamos os roteiros e também no momentos dos ensaios. É importante ter outros pontos de vista sobre a obra, nós faz até defender com unhas e dentes só o que realmente é fundamental para cada um.
TN: Quanto do futuro da série vocês já planejaram e semearam nos episódios da temporada? Existe a possibilidade de uma segunda temporada?
Pedro Aguilera: Nós temos várias ideias e estamos bem interessados. Apenas aguardando se o Netflix quererá uma 2a temporada.
TN: Qual o aspecto mais difícil de ser roteirista ?
Pedro Aguilera: Escrever, quando vai mal.
TN: Qual o aspecto mais prazeroso de ser roteirista?
Pedro Aguilera: Escrever, quando vai bem.
TN: Que conselho você daria para um jovem roteirista, com um roteiro muito bom, tentando torná-lo realidade?
Pedro Aguilera: Eu sugiro ficar de olho em editais e competições. Eles incentivam a escrever e forçam a cumprir o prazo. Aos poucos, um editalzinho aqui e um editalzinho ali podem te fazer conhecer as pessoas do mercado que irão te levar a outros trabalhos.
TN: Pra finalizar, nossa pergunta clássica: quem é seu roteirista favorito(a) e por quê?
Pedro Aguilera: Muito difícil essa pergunta. Mas posso falar que ler os roteiros do Tarantino é uma coisa muito interessante de se fazer, como ele passa a sensação de assistir o filme no papel e como ele passa a sensação de um narrador com domínio pleno da história.
A entrevista foi realizada por email, antes da estreia no dia 25. Agradecemos a disponibilidade de Pedro Aguilera e da equipe Boutique Filmes, assim como da equipe Netflix.