Uma máxima comum aos roteiristas é que em um bom roteiro você entende a história e o seu andamento sem ler nenhum diálogo. Afinal, o roteiro bem desenvolvido com ações não precisaria que nada de sua narrativa fosse resolvido verbalmente, sendo exposto através de um diálogo.
No exercício de hoje, gostaria de propor uma outra máxima, não tão popular, mas fundamental quando pensamos em diálogos em um roteiro: bons diálogos podem ser lidos sem o nome do personagem e você ainda saberá quem está falando. Sim, abaixo darei um exemplo recente que demonstra com perfeição esta técnica de escrita de diálogos. E se você quer ter diálogos interessantes, eu diria que cada personagem ter uma voz própria e levar suas características para sua fala é parte essencial do processo.
Quando todos os personagens falam do mesmo jeito, não só você perde a chance de explorar mais profundamente sua personalidade, como também confunde o leitor. É preciso encontrar a voz interior de cada personagem para assim materializa-lá em suas falas. Caso, você não consiga isso terá apenas um grupo de clones conversando entre si. Então, vamos pensar em fatores que criam as distinções na voz interior de cada personagem:
Seu backstory
A experiência de vida de um personagem irá influenciar grandiosamente sua fala. Ele vem de alguma região específica do país? Tem sotaque? Quão amplo é seu vocabulário? Usa girias? Tem um linguajar culto? Usa expressões estrangeiras, baby?
Sua personalidade
A personalidade do personagem pode se materializar nos diálogos de várias formas. Quão prolixo ele é? Ele é mais incisivo? Mais hesitante? Tem um tom questionador? Ele escuta realmente o outro ou só espera sua vez de falar? Existem assuntos que o bloqueiam? Ele fala enquanto pensa ou pensa antes de falar? Existe alguma cadência específica em sua fala? Ele é irônico ou sarcástico? Com que frequência e em que ocasião? Quão confiante ele é? Ele costuma falar o que pensa, pois acredita que sua opinião é sempre importante e válida? Ou ele só costuma dar sua opinião quando se sente seguro? Ele costuma interromper as outras falas? Ele domina a conversa? Ele costuma usar subtexto ou vai direto ao assunto? Ele fala bem sobre seus sentimentos? Existem assuntos intocáveis para ele?
A relação com a situação e com os outros personagens
Um dos fatores mais importantes, mas também mais esquecidos. Nem todos agem da mesma forma sempre. Uma pessoa tímida não falará da mesma forma em uma reunião no trabalho e em uma roda de amigos. Então as questões aqui são: quão confortável o personagem está nesta situação? As pessoas com quem dialoga tem que grau de relação com ele? Existe alguma hieraquia social entre eles? Alguém exerce poder sobre alguém dentro da conversa? Ele gosta de falar com elas? Eles se compreendem bem? Existe alguma interferência na comunicação (som alto, cada pessoa está falando de uma coisa diferente, etc...)? O assunto discutido é interessante para o personagem? Ele tem alguma restrição sobre isso? Ele quer falar sobre isso?
Tarantino deve ser um dos roteiristas mais copiados quando falamos de diálogos no cinema contemporâneo. Mas o que poucos conseguem entender e mesmo reproduzir dos diálogos de seus filmes, são como eles são a expressão perfeita de cada personagem. Os 8 Odiados é uma aula quando falamos disso, cada personagem tem uma voz única e reconhecível.
Observe não só como cada personagem tem sua voz própria, mas como os diálogos mudam de acordo com quem o personagem está interagindo. Após ver a carta de Lincoln na carruagem, John Ruth fala com Major Warren de igual para igual, quase fraternalmente. Apesar disso, ele fala com Daisy grosseriramente, com frases curtas e de ordem. Major Warren tem falas firmes e evasivas, ele não quer criar vínculos e não quer expor informações demais sobre si mesmo. Ele e Chris trocam diálogos cheios de acidez e deboche, enquanto Chris fala respeitosamente com o General Smithers. E essas mudanças na forma como os personagens falam e interagem vão evoluindo de acordo com o andamento da trama. Isso só para ilustrar alguns dos personagens. Não se deixe enganar, achando que estas variações são apenas da interpretação dos atores, todas já estão no roteiro. Os atores adicionam sim novas camadas, entonações, cadências, mas obviamente guiados pela ótima construção de seus diálogos. Cada personagem tem a sua voz e dialoga belamente de acordo com as relações estabelecidas entre os personagens.
Levando esses fatores em consideração, será que o personagem sarcástico fala com o mesmo ritmo que o personagem seguro de si. E se um deles não quiser realmente conversar sobre o assunto? Se eles não se conhecem bem o suficiente ou se são amigos de infância, conversarão da mesma maneira?
E lembre-se que quando falamos de diálogos, eles não incluem apenas as palavras, mas as pausas, as enfâses e os silêncios. Boa escrita!