“O primeiro rascunho de tudo é uma merda.”
Ernest Hemingway
No processo criativo é sempre indicado “matar” o crítico interno enquanto está maturando uma criação. Uma mente aberta é um grande receptor de ideias, algumas boas, outras não tão boas e algumas horríveis. Na primeira etapa não interessa a qualidade das ideias, o que interessa é que elas apareçam e o crítico interno pode ser um inimigo, capaz de matar premissas frágeis que com um pouco de cuidado poderiam se tornar ideias fantásticas.
A sensação de ter uma boa idéia é ótima! Seu ego e sua auto-estima são massageados por aquela sensação prazerosa e você se sente nas nuvens. Depois vem a parte trabalhosa de colocar a criação no papel, as vezes a ideia é tão boa que o processo é rápido, outras vezes exige um pouco mais de esforço, mas pela qualidade do conceito você se sente motivado a passar por essa provação. O primeiro tratamento do roteiro pode levar semanas ou meses para ser escrito, momentos de êxtase e depressão convivem na mesma rotina e concluir é uma batalha árdua. Mas a sensação de conclusão é talvez melhor ainda que a sensação de se ter uma boa idéia, isso sim é prazeroso de verdade. Bom... o problema é que é muito fácil perder o senso de realidade em atividades prazerosas.
Ao ser questionada sobre qual o erro mais comum que roteiristas iniciantes cometem, Linda Seger, autora do livro “Como aprimorar seu roteiro” (Making a good script great) respondeu:
“Eles acham que é fácil. E eles não reescrevem. Essa é a diferença entre um profissional e um amador. Amadores acham que já terminaram. Profissionais reescrevem e reescrevem e reescrevem.”
O nível de dificuldade e trabalho que você teve ao escrever o roteiro não representa a qualidade do trabalho. Desculpe o balde de água fria, mas um roteiro mediocre também pode exigir muito trabalho. Você deve se distanciar daquele sentimento catártico e questionar o que é tão atraente em sua criação, o que é possível melhorar, eliminar, incluir, mudar de estratégia. Um bom roteiro não é apenas uma boa ideia colocada no papel, e sim uma organização de ideias que criam uma história atraente, com personagens profundos e orquestram emoções. Seria um tremendo golpe de sorte acertar todos esses fatores de primeira.
O QUE NÃO É REESCREVER
Edição e revisão gramatical não é reescrita. Alterar trechos de diálogo, procurar sinônimos para descrever cenas e corrigir a pontuação podem ser belos polimentos para deixar a leitura mais fluída, mas está longe de ser um novo tratamento.
Rescrever requer uma análise profunda do que foi escrito, assim como necessita do conhecimento de onde se quer chegar. É uma busca por realmente aprimorar a narrativa, e não apenas a formatação do roteiro. Reescrever é rotina na vida de um roteirista e seus resultados podem ser muito mais prazerosos do que qualquer outra etapa anterior.
O QUE É REESCREVER
“O único tipo de escrita é a reescrita”
Ernest Hemingway
A reescrita é fundamental para a escrita. E é nessa hora que o critico interno deve aparecer, agora na função de seu melhor amigo. Seja rígido com você e sua criação, questione cada decisão tomada para compor sua narrativa, procure novas perspectivas e se abra para criticas externas também.
Por que eu gosto dessa ideia?
A história comunica o que eu quero?
Os momentos narrativos estão adequados? Começo o que interessa muito cedo, muito tarde ou no momento ideal? Por que?
Apresento bem meus personagens? Utilizo exposição excessiva?
Existe algum personagem que pode ser cortado ou posso mesclar dois personagens em um?
Possui uma dinâmica de emoção ou está tudo chapado, sem variações?
Existe uma recompensa (pay off) clara e relevante para o espectador? Se eu plantar informações no decorrer da trama, posso criar um final mais atrativo e surpreendente?
Existem milhares de perguntas que podem ser feitas, essas são apenas algumas sugestões. Para sintetizar, a pergunta mais importante de todas é “por que?”. Questione cada ponto de seu roteiro e se o máximo que conseguir pensar de resposta for “porque eu gosto”, questione suas motivações; Se você as desconhece, dificilmente criara personagens empáticos e uma história atraente.
E se você pretende comercializar seu roteiro um dia, deverá estar preparado para responder qualquer questão que lhe façam sobre a obra, por mais absurda que seja. Pode ser na justificativa de um projeto para edital, no pitching para produtoras ou emissoras de TV ou para a equipe que vai estar trabalhando no filme ou na série.
Opiniões externas são valiosas. Peça opinião de leigos e profissionais diversos, só procure distinguir uma critica construtiva de uma tentativa de te colocar pra baixo. Expôr suas ideias para outras mentes é fundamental para o aprimoramento de seu trabalho.
Lembre-se: O que está claro na sua cabeça, não significa que está claro para o leitor/público. A imaginação é perfeita e está alinhada com nossos sentimentos íntimos, ela automaticamente preenche buracos e esconde falhas naquilo que criamos. Como roteirista, você deve traduzir em palavras e ações a alma de sua história, e um distanciamento critico e emocional lhe permite observar mais claramente.