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Marcos Hinke

A arte de reescrever


“O primeiro rascunho de tudo é uma merda.

Ernest Hemingway

No processo criativo é sempre indicado “matar” o crítico interno enquanto está maturando uma criação. Uma mente aberta é um grande receptor de ideias, algumas boas, outras não tão boas e algumas horríveis. Na primeira etapa não interessa a qualidade das ideias, o que interessa é que elas apareçam e o crítico interno pode ser um inimigo, capaz de matar premissas frágeis que com um pouco de cuidado poderiam se tornar ideias fantásticas.

A sensação de ter uma boa idéia é ótima! Seu ego e sua auto-estima são massageados por aquela sensação prazerosa e você se sente nas nuvens. Depois vem a parte trabalhosa de colocar a criação no papel, as vezes a ideia é tão boa que o processo é rápido, outras vezes exige um pouco mais de esforço, mas pela qualidade do conceito você se sente motivado a passar por essa provação. O primeiro tratamento do roteiro pode levar semanas ou meses para ser escrito, momentos de êxtase e depressão convivem na mesma rotina e concluir é uma batalha árdua. Mas a sensação de conclusão é talvez melhor ainda que a sensação de se ter uma boa idéia, isso sim é prazeroso de verdade. Bom... o problema é que é muito fácil perder o senso de realidade em atividades prazerosas.

Ao ser questionada sobre qual o erro mais comum que roteiristas iniciantes cometem, Linda Seger, autora do livro “Como aprimorar seu roteiro” (Making a good script great) respondeu:

“Eles acham que é fácil. E eles não reescrevem. Essa é a diferença entre um profissional e um amador. Amadores acham que já terminaram. Profissionais reescrevem e reescrevem e reescrevem.”

O nível de dificuldade e trabalho que você teve ao escrever o roteiro não representa a qualidade do trabalho. Desculpe o balde de água fria, mas um roteiro mediocre também pode exigir muito trabalho. Você deve se distanciar daquele sentimento catártico e questionar o que é tão atraente em sua criação, o que é possível melhorar, eliminar, incluir, mudar de estratégia. Um bom roteiro não é apenas uma boa ideia colocada no papel, e sim uma organização de ideias que criam uma história atraente, com personagens profundos e orquestram emoções. Seria um tremendo golpe de sorte acertar todos esses fatores de primeira.

O QUE NÃO É REESCREVER

Edição e revisão gramatical não é reescrita. Alterar trechos de diálogo, procurar sinônimos para descrever cenas e corrigir a pontuação podem ser belos polimentos para deixar a leitura mais fluída, mas está longe de ser um novo tratamento.

Rescrever requer uma análise profunda do que foi escrito, assim como necessita do conhecimento de onde se quer chegar. É uma busca por realmente aprimorar a narrativa, e não apenas a formatação do roteiro. Reescrever é rotina na vida de um roteirista e seus resultados podem ser muito mais prazerosos do que qualquer outra etapa anterior.

O QUE É REESCREVER

“O único tipo de escrita é a reescrita”

Ernest Hemingway

A reescrita é fundamental para a escrita. E é nessa hora que o critico interno deve aparecer, agora na função de seu melhor amigo. Seja rígido com você e sua criação, questione cada decisão tomada para compor sua narrativa, procure novas perspectivas e se abra para criticas externas também.

  • Por que eu gosto dessa ideia?

  • A história comunica o que eu quero?

  • Os momentos narrativos estão adequados? Começo o que interessa muito cedo, muito tarde ou no momento ideal? Por que?

  • Apresento bem meus personagens? Utilizo exposição excessiva?

  • Existe algum personagem que pode ser cortado ou posso mesclar dois personagens em um?

  • Possui uma dinâmica de emoção ou está tudo chapado, sem variações?

  • Existe uma recompensa (pay off) clara e relevante para o espectador? Se eu plantar informações no decorrer da trama, posso criar um final mais atrativo e surpreendente?

Existem milhares de perguntas que podem ser feitas, essas são apenas algumas sugestões. Para sintetizar, a pergunta mais importante de todas é “por que?”. Questione cada ponto de seu roteiro e se o máximo que conseguir pensar de resposta for “porque eu gosto”, questione suas motivações; Se você as desconhece, dificilmente criara personagens empáticos e uma história atraente.

E se você pretende comercializar seu roteiro um dia, deverá estar preparado para responder qualquer questão que lhe façam sobre a obra, por mais absurda que seja. Pode ser na justificativa de um projeto para edital, no pitching para produtoras ou emissoras de TV ou para a equipe que vai estar trabalhando no filme ou na série.

Opiniões externas são valiosas. Peça opinião de leigos e profissionais diversos, só procure distinguir uma critica construtiva de uma tentativa de te colocar pra baixo. Expôr suas ideias para outras mentes é fundamental para o aprimoramento de seu trabalho.

Lembre-se: O que está claro na sua cabeça, não significa que está claro para o leitor/público. A imaginação é perfeita e está alinhada com nossos sentimentos íntimos, ela automaticamente preenche buracos e esconde falhas naquilo que criamos. Como roteirista, você deve traduzir em palavras e ações a alma de sua história, e um distanciamento critico e emocional lhe permite observar mais claramente.

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