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Jaqueline M. Souza

Quem são seus roteiristas favoritos?


Quentin Tarantino, lembrado em 9 a cada 10 listas de roteiristas (assim como a famosa pasta de dente). Mas será que seria lembrado se não tivesse se tornado diretor? As pessoas se lembram do Tarantino, jovem roteirista, criador do argumento de Assassinos por Natureza e roteirista de Amor À Queima Roupa?

Recentemente, tive uma epifania. Ao ler uma dissertação sobre roteiro, de um curso de graduação em Cinema, tive uma leve impressão. A impressão era de ao passar das muitas páginas do projeto, vi diversas teorias, muitos paradigmas e o nome de diversos autores de livros sobre roteiro. Apesar disso, não havia a citação nominal a nenhum roteirista! Exatamente, em mais de 100 páginas de dissertação, várias questões acerca da construção narrativa de filmes eram abordadas, mas o profissional responsável por tal construção era deixado de lado, como se não existisse. Ele até existia, de uma forma abstrata, era citado aqui e acolá, mas não tinha forma, nem nome. O trabalho de nenhum roteirista foi abordado, nenhuma entrevista foi utilizada, nenhuma referência a um roteirista propriamente dito. Enquanto Robert Mckee foi citado uma centena de vezes e teve duas páginas dedicadas ao seu livro, Jean-Claude Carriere, roteirista parceiro de Luís Buñuel na maior parte de sua obra e autor de um belo livro sobre roteiro e linguagem de cinema, foi citado apenas uma vez. Também nenhuma citação ao livro de David Mamet, roteirista de pelo menos dois clássicos americanos: Os Intocáveis e Sucesso a Qualquer Preço. E eu me perguntei o porquê. Por que preferimos os gurus consultores do que nossos colegas criadores? Por que ignoramos o conhecimento destes mestres criadores? Por que ignoramos seus nomes, sua filmografia? Afinal somos uma profissão que, com razão, vivemos lamentando a falta de incentivo e reconhecimento pelo qual passamos em nosso trabalho. Reclamamos dos prazos que nos são passados, dos valores que nos pagam, da falta de prestígio da profissão, dos altos e baixos do mercado, basicamente de tudo, entretanto somos incapazes de nomear um outro profissional, que como nós passou por tudo isso, mas que teve a força de roteirizar filmes que nós amamos.

Que profissão é esta que reclama da falta de reconhecimento, e ela própria desconhece ou ignora o passado, os profissionais envolvidos em seus filmes favoritos, aqueles que mais o influenciaram? Que profissão é esta que reclama de não ter seu nome em baixo da inscrição “ Um filme de”..., mas desconhece quem são os roteiristas por trás dos filmes? Essa é uma questão fundamental para avançarmos a discussão sobre nosso ofício. Se você quer ser um roteirista e não sabe citar pelo menos 10 dos seus roteiristas favoritos, você está fazendo um desserviço a você e a toda a classe. E eu não digo nomear seus roteiros favoritos, e sim os criadores por trás destes títulos. Como ser admirador do cinema italiano, de Fellini e Antoniani, sem saber quem foi Ennio Flaiano, roteirista de 8 ½ , La docce Vitta e Noites de Cabíria? Ou de Tonino Guerra, roteirista de A noite, O Eclipse e Blow-Up? Como saber quem é Juan Pablo Campanela, sem saber quem é Fernando Castets, roteirista de O mesmo amor, a mesma chuva, O filho da Noiva e O Clube da Lua? Como reconhecer Walter Salles sem reconhecer Marcos Bernstein, roteirista de Terra Estrangeira e Central do Brasil, ou Jose Rivera, roteirista de Diários de Motocicleta e Na estrada? Como ignorar Hideo Oguni, roteirista de boa parte dos filmes de Kurosawa, como Viver, Os Sete Samurais e Ran?

Ennio Flaiano, roteirista de clássicos do cinema italiano.

Ironicamente, os roteiristas mais reconhecidos são aqueles que atuam também como diretores (e até como atores). Assim é fácil lembrar de nomes como Woody Allen, Spike Lee, Christopher Nolan, Paul Thomas Anderson e Pedro Almodovar. Mas e aqueles que dedicam sua vida exclusivamente a escrever? E Paddy Chayefsky, Melissa Mathison, John Logan, Richard Price e Bráulio Mantovani? É fundamental conhecermos os nome por trás das obras, para enterdermos suas raízes, suas origens. Assim, saber quem são os roteiristas por trás de uma série, não só seu criador, também ganha novo sentido e nos indica caminhos. Observar que do writer's room de séries como The Dana Carvey Show, sairam alguns nomes como Louis C.K, Steve Carell, Bob Odenkirk (hoje famoso pelo personagem de Saul Goodman que viveu em Breaking Bad e lhe rendeu uma série própria, mas com uma importante carreira na escrita de comédia), Stephen Colbert e Robert Carlock, trás em si uma reflexão sobre uma das vertentes da atual comédia americana ( outras tem suas origens no writer's room do SNL, de Malcom in the Middle e Roseanne, mas isto é assunto para outro post). E reconhecer um Oliver Stone que definiu seu estilo não só como diretor, mas antes disso como roteirista, ao iniciar sua carreira escrevendo Scarface e O Expresso da Meia-Noite?

Então tenhamos em mente, que o prestígio e reconhecimento começa entre os próprios profissionais da classe!! Pesquise sobre roteiristas, conheça seus trabalhos, como começaram, com quem contribuiram ao longa da carreira. Veja o que há de similaridades entre eles, qual o estilo que desenvolveram. Steven Zaillian, por exemplo, tem uma carreira exemplar em adaptações literárias para o cinema americano, tendo roteirizado filmes como Tempo de Despertar, A Lista de Schindler e Millenium: Os homens que não amavam as mulheres. Aaron Sorkin , prefere o mundo da politíca e do poder, presentes em West Wing, Newsroom, Jogos do Poder, Questão de Honra ou A Rede Social. Ou ainda David S. Goyer que se especializou em adaptações de histórias em quadrinho, como O Corvo, Blade, Batman Begins e O Homem de Aço. Jane Goldman também domina as adaptações de quadrinhos com doses de humor e aventura em Kick –Ass, X-Men: Primeira Classe e Kingsman. Guillermo Arriaga é referência em roteiros com múltiplas linhas narrativas como Amores Brutos, 21 Gramas e Babel. Kevin Williamson assina a franquia Pânico e outros famosos títulos do horror como: Prova Final, Eu sei o que vocês fizeram no verão passado e séries como Vampire Diaries e The Following e, além disso, explorou sua versatilidade em Dawson’s Creek.

Melissa Mathison, sempre lembrada como ex- esposa de Harrison Ford e pouco como a roteirista de E.T- O Extraterrestre e Kundun.

Nós não precisamos saber os nomes de todos os roteiristas ou saber quem assina o roteiro desta ou daquela obra, mas desconhecer completamente a carreira de nossos colegas de profissão é negar o reconhecimento que nós mesmos pedimos. Cada roteirista tem um estilo, um modo próprio de colocar a sua visão de mundo em sua obra e ao estudarmos isto podemos enxergar mais claramente o nosso próprio estilo e o caminho que buscamos em nosso trabalho.

Por isso, aqui recomendamos um exercício. Se você não sabe quem são seus roteiristas favoritos, faça duas listas, uma contendo os seus filmes favoritos e outra contendo seus roteiros favoritos (muitas vezes gostamos muito de um roteiro, mas nem tanto do filme ou vice-versa). Depois cruze os dados, veja que nomes se repetem e procure quais outros filmes estão entre os escritos por este roteirista. Você gosta de todos? De quais não gosta? O que não gosta neles? O que este roteirista tem em seu estilo que mais lhe encanta? O que se aproxima do trabalho que você quer desenvolver? Procure por entrevistas destes profissionais, leia seus textos, seus roteiros. Nós como roteiristas, bem conhecemos a importância das palavras e dos nomes. Nomear é afirmar a existência, é criar um compromisso, é fazer uma saudação. Nomeemos e saudemos, então, aqueles que nos inspiraram e inspiram com seu trabalho.

"Se pude ver mais longe, foi porque me pus de pé nos ombros de gigantes.

Sir Isaac Newton

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