Personagens
Dentro da história, os personagens necessitam de uma atenção especial. A história e seu protagonista andam lado a lado e quando temos uma perfeita harmônia entre ambos e impossível separa-los e enxerga-los como elementos distintos. Aquela história é tão perfeita para aquele personagem que até nos é dificil imagina-la sendo vivida por outro protagonista. Aquele protagonista passa por situações tão peculiares a seu universo, tão naturais, que não conseguimos imagina-lo em outra história ( aí um dos motivos de resistência a contiuações de filmes). Mas como criar personagens que envolvam, sejam realistas, universais e únicos ao mesmo?
Inicialmente, no processo de escrita,os personagens são rasos, disformes, desinteressantes, previsíveis e parecem simplesmente flutuar na narrativa sendo levados como um pedaço de madeira na correnteza. Porém, uma boa história só pode ser contada pela voz dos próprios personagens, eles são os agentes, a história deve acontecer por suas ações, eles são os olhos e ouvidos do telespectador, é através deles que vemos o que acontece. O personagem deve despertar o interesse do espectador e despertar sua empatia.Para que isso aconteça, ele deve ter características universalmente humanas, deve parecer com qualquer um, porém ao mesmo tempo deve ter características próprias que o diferencie dos outros.
Características Físicas, Psicológicas e Sociais
Mas primeiro, é preciso saber como que ele é, quais as características físicas, psicológicas e sociais desse personagem.
Quando pensamos nas características físicas do personagem muitas vezes nos perguntamos: Por que criar características físicas? Não seria melhor deixar isso em aberto para que qualquer ator possa interpretá-lo? De certa forma isso deve ser levado em consideração, impor ao personagem características extremamente rígidas pode dificultar quando do casting, porém certos aspectos físicos devem ser criados. Idade, por exemplo, é imprescindível, etnia e toda a característica que o diferencie como individuo e exponha sua condição social deve ser colocada. Qualquer elemento de sua constituição física que acrescente importância a narrativa é fundamental.
Qual é a função da descrição física da personagem? Em primeiro lugar, é algo evocativo, isto é, que sugere outros aspectos da personagem.
“A partir da descrição que o escritor apresenta, o leitor já começa a imaginar e acrescentar outras características à personagem.” Linda Seger
Todos vivemos dentro de um grupo específico da sociedade e com o personagens não pode ser diferente. O grupo, o núcleo social, a tribo que cada um faz parte, é integrante do que somos. O ser humano é extremamente influenciável pelas pessoas com quem convive. Estabelecer o grupo de convívio do personagem transmite informações de classe social, trabalho, dinheiro e etc. As caracteristicas socias, não dizem respeito apenas se o personagem é rico ou pobre, mas como interage socialmente, com que grupos ele se envolve, que valores deste grupo ele leva para seu dia-a-dia.
Também deve ser levado em consideração a especificidade do tempo e local em que o personagem vive. Por exemplo, um jovem alto, magro, com seus 20 anos, judeu, filho de um dono de loja, não é o mesmo personagem se ele mora no Brasil dos anos 80 ou na Polônia dos anos 40. O local e a época em que o personagem está estabelece diferenças no seu comportamento.
Psicológico
É também necessário conhecer psicologicamente o personagem, conhecer seu caráter, seu comportamento, seus desvios de comportamento, saber os seus sonhos, seus desejos e tudo que não podemos ver, mas que o diferencia dos outros.
Para melhor conhecer o seu personagem é necessário um processo de pesquisa. Basicamente a pesquisa se divide em duas partes: Pesquisa de vivencia, que é a que todos nós fazemos, na nossa vida estamos realizando constantemente uma pesquisa, observamos as pessoas, o modo como falam, como agem, como andam. Conhecemos pessoas que são o molde das nossas personagens, amigos falastrões, amigos tímidos, “nerds”, roqueiros. Durante nossa passagem pelo mundo conhecemos figuras e observando as pessoas, aprendemos a ver como elas são e colocar essas características em nossos personagens.
“A criação da personagem começa com os dados que você já possui. Porém, uma pesquisa geral pode não fornecer informações suficientes. Além dela, você precisa fazer uma pesquisa específica, para acrescentar à sua personagem detalhes que não poderá encontrar em sua própria experiência de vida ou mesmo através da observação natural.” Linda Seger
Criar um personagem é como esculpir em um pedaço de madeira, atribui-se a ele a forma que deseja, mas devemos respeitar os nós já existentes. Os humanos possuem um número de característica que os diferenciam dos outros, que nos tornam o que somos e que nos fazem tomar as atitudes que tomamos durante a vida, assim também deve ser a construção do personagem, o espectador deve conhecê-lo o suficientemente bem para poder entender suas ações.
Porém, o personagem não é simples e a ele deve ser atribuído paradoxos, o que dá profundidade ao personagem. Pequenas características que vão contra a caracterização do personagem. O espectador espera que os personagens sejam previsíveis, pois querem conhecê-los e só assim podem criar empatia com eles, contudo é também necessário que ele surpreenda vez em quando, para que a vontade de continuar conhecendo-o nunca pare. Estas características são a base para se criar um personagem com profundidade. Um personagem que seja apenas interesseiro é um personagem plano, que vai perdendo-o o interesse do público, mas se ele é interesseiro, mas generoso, isso cria um contraste atraente. Suas ações já não são só entendidas como para tirar proveito próprio, mas para beneficiar outros, o que vai contra o que nós temos como uma visão predeterminada de tal tipo de personagens. Estas caracteristicas aparentemente contraditórias, se bem trabalhadas, criam os melhores personagens.
“Só descobrimos muitas dessas características paradoxais depois de conhecer alguém por muito tempo. Elas constituem pequenos detalhes que não são imediatamente visíveis, mas que achamos particularmente irresistível e que nos atraem em certas pessoas.” Linda Seger
Assim o personagem deve possuir um corpo, deve-se saber como ele é; uma essência, deve-se saber quem ele é; e uma mente, deve-se saber como ele pensa, o que ele sente e qual seu desejo. É necessário atribuir ao personagem sentimentos, isso o aproxima ainda mais do ser humano. Sentimentos são parte integrante do personagem, eles devem ser claros e concisos com a sua essência. Também é necessário acrescentar valores e atitudes aumentando ainda mais a complexidade do personagem.
Backstory
Muitas vezes quando se acrescenta várias características aos personagens, perde-se o controle sobre eles, eles se tornam complexos e nem o seu próprio criador sabe por que ele toma certas atitudes durante a história. Mas é indispensável ter o total controle sobre o personagem então; às vezes é necessário parar, voltar e tentar compreender o personagem, fazer quase uma terapia. Acredita-se que a melhor maneira de se conhecer o personagem e conhecendo sua história de vida. Criar o backstory do personagem é uma forma de compreendê-lo, saber pelo que ele passou e o que o fez ser como é.
O backstory é um documento que serve como base para o roteirista, normalmente é de escrita livre e intuitiva, não é o momento em se preocupar com forma ou qualidade de texto, pode ser contado em primeira pessoa, em terceira ou misturando, deve ser de uso exclusivo do roteirista só ele precisa ler o que está escrito ali. O backstory também pode ser o momento para se encontrar a voz do personagem, descobrir como ele fala, ele deve ser rico em sentimentos, é mais importante saber o que o personagem sentiu com a morte de seu pai, por exemplo, do que a forma que ele morreu. Porém muitas vezes a backstory que criamos é lindo e fascinante, a vida do personagem é tão rica que daria um novo roteiro, mas isso pode ser arriscado, por isso é necessário ter em mente qual história se está contando e colocar no roteiro apenas o que possa enriquecer a narrativa e não desviá-la.
Valores e Motivações
Conhecendo bem os personagens temos maior liberdade para criar nossas histórias da forma que mais nos interessar. Afinal quem é mais importante, a história ou os personagens? Os dois são igualmente importantes, um não existe sem o outro, só com a ação do personagem é que a história pode ir para frente, mas sem uma história para contar os personagens não tem motivo para existir.
Cada personagem tem inúmeras características que podemos ver, mas sua essência só pode ser vista quando ele tem que tomar uma decisão sobre grande pressão, e essa pressão deve ser realmente relevante. Parafraseando Mckee (2006), um personagem que escolhe a verdade no momento em que a mentira não lhe causaria nada não expõe sua verdadeira essência; já o personagem que escolhe a verdade quando a mentira poderia salvar sua vida demonstra que a honestidade faz parte de seu núcleo, de sua personalidade real.
“A verdadeira personagem é revelada nas escolhas que um ser humano faz sobre pressão –quanto maior a pressão, maior a revelação e mais verdadeira a escolha para a natureza essencial da personagem.” Robert MCkee
Por isso, ao criar um personagem temos que dar a ele características reconhecíveis e empáticas, para que o espectador reconheça o personagem e se reconheça nele, acredite que sabe quais serão os próximos passos desse personagem. Aí então, através de escolhas que esse personagem deve fazer sob extrema pressão, ele revela quem realmente é, sua essência e então surpreender o público.
Todo o protagonista tem um desejo. O desejo do protagonista é o que realmente move a história. Esse desejo deve ser consciente, o protagonista deve buscar esse objeto de desejo de forma convincente e deve ter pelo menos uma chance de alcançá-lo.Os personagens também precisam ter motivações e necessidades. Objetivos envolvem fatores mais concretos. As necessidades de um personagem estão ligadas a sua motivação, tem um valor mais emocional, ligada a uma realização pessoal mais profunda. Os personagens mais profundos tem tanto objetivos conscientes quanto necessidades inconscientes, muitas vezes eles coincidem em uma linha narrativa só, outras vezes seguem duas linhas narrativas diferentes (plot e subplot ou segundo Linda Seger , um plot físico e outro abstrato).
“ O desejo consciente e o inconsciente de um protagonista multidimensional contradizem um ao outro. O que ele acredita querer é a antítese do que ele real, mas inconscientemente, quer.” Robert Mckee
Uma observação, importante é que estas necessidades e objetivos nem sempre precisam ser verbalizadas, é muito mais enriquecedor para sua história que elas sejam demostradas através de ações, isto porque muitas vezes os próprios personagens não tem consciência de suas motivações.
"Muitas vezes, os personagens não entendem a si mesmos. Eles frequentemente não são diretos e não dizem o que realmente querem dizer. Podemos dizer que o subtexto é o conjunto de todas as motivações e significados que não são aparentes para o personagem, mas que são aparentes para o leitor" Linda Seger
Relações
Ao criar personagens que interagem diretamente um com o outro é de fundamental importância, que cada personagem tenha voz própria. É comum em roteiristas iniciantes, criar personagens que pensam e agem do mesmo jeito, o que diminui a tensão dramática. Cada personagem deve ter características que colocadas frente a frente gerem contraste ou complemento. Mesmo que eles enfrentem uma aventura juntos, eles devem passar pelas situações ter pontos de vistas distintos sobre elas, afinal cada personagem tem sua motivação, leva seu backstory e suas caracteristicas individuais para a história. Se você tem personagens que agem e pensam da mesma forma, ou isso deve ser um conceito real no qual a sua história se baseia sua história, ou você simplesmente dividiu um mesmo personagem em dois corpos, o que narrativamente é um erro.
John McClane,um personagem inicialmente pensado para ser o clássico herói imbativel, ganha profundidade através de um detalhe, seus pés descalços. O herói de filme de ação, ganha uma nova camada de profundidade, ser durão apesar de ter fragilidades. Duro de Matar vira um clássico do genêro e John McClane alcança o status de um dos melhores personagens do cinema.
Christian Bale como Patrick Bateman em Psicopata Americano. O competitivo ambiente corporativo dos anos 80 e a a geração yuppie, altamente individualista e consumista são partes integrantes da caracterização do personagem.
Mike, em Better Call Saul, spin-off de Braking Bad, dá uma aula sobre a psicologia de personagens, no episódio Pimento:
Mike: " A moral é, se for ser um criminoso, faça a lição de casa"/“The lesson is if you’re going to be a criminal, do your homework.”
Price: "Mas eu não sou um cara mau"/“But I’m not a bad guy.”
Mike: "Eu não disse que você é um cara mau. Eu disse que você é um criminoso/ “I didn’t say you’re a bad guy. I said you’re a criminal.”
Price:"Qual a diferença?"/ “What’s the difference?”
Mike:“Eu conheci criminosos bons e policiais maus. Padres maus e ladrões honrados. Você pode estar de um lado ou outro da lei, mas se você faz um acordo com alguém, você mantêm sua palavra. Você pode ir pra casa hoje com o dinheiro e e nunca fazer isso de novo, mas você tomou algo que não era seu, e vendeu, por lucro. Você agora é um criminoso. Bom ou mau, isto é com você."/ “I’ve known good criminals and bad cops. Bad priests, honorable thieves. You can be on one side of the law or the other, but if you make a deal with somebody, you keep your word. You can go home today with your money and never do this again, but you took something that wasn’t yours and you sold it for a profit. You are now a criminal. Good one, bad one, that’s up to you.”
Gênio Indomável trabalha com um backstory do personagem Sean, imbutido a narrativa do filme. Nós não vemos a história pregressa da morte de sua esposa, mas temos conhecimento do fato, e isto se torna elemento importante para caracterizar o personagem.
Michael Corleonne, do rapaz que diz "Isso é a minha família, não eu", ao personagem que mostra seus reais valores através de suas escolhas.
Por Cipriano Wiski com edição de Jaqueline M. Souza
Ted Chaough, inicialmente é apresentado como um arqui-inimigo de Don Draper. Ao longo da série, os dois se aproximam e no episódio "Better Half" fica claro, como os dois personagens são semelhantes. Don Draper oficialmente é aquilo que ele mesmo mais odeia.
Um destino em comum, mas motivações diferentes. Thelma e Louise são um ótimo exemplo da preciosidade de se criar personagens parceiros que dividam um mesmo objetivo, mas tenham voz própria e características únicas.
Breaking Bad também trabalha com personagens claramente distintos para aumentar o contraste e criar mais dramaticidade aos conflitos de cada episódio.